quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O SOTAQUE DAS MINEIRAS

Felipe Peixoto Braga Netto afirma que não é jornalista, não é publicitário, não é, enfim, literariamente falando, muita coisa, segundo suas próprias palavras. Alagoano, mora em Belo Horizonte e ama Minas Gerais.   A crônica abaixo foi extraída do livro dele, 'As coisas simpáticas da vida', publicada pela "Landy Editora", São Paulo (SP)   

O SOTAQUE DAS MINEIRAS 

  O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar... 
Afinal, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar, sensual e lindo das moças de Minas ficou de fora?
Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato, doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar:
- 'só isso?'.   
Assino, achando que ela me faz um favor...
Eu sou suspeitíssimo.
Confesso: esse sotaque me desarma. 
Certa vez quase propus casamento à uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.
 Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminhoNão dizem: pode parar, dizem: 'pó parar'
Não dizem: onde eu estou?, dizem: 'onde queu tô.' 
Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem - linguisticamente falando - apenas de uais, trens e sôs.
 
Digo-lhes que não.
Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividadeFala que ele é bom de serviço.
Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô. 
Se der no couro - metaforicamente falando, claro - ele é bom de serviço.
Faz sentido...
Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem.
Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: 'cê tá boa?'.
Para mim, isso é pleonasmoPerguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário...
Há outras.
Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada. 
Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer:
- Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc). 
O verbo 'mexer', para os mineiros, tem os mais amplos significados

Quer dizer, por exemplo, trabalhar.
Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido.
Só querem saber o seu ofício.
Os mineiros também não gostam do verbo conseguir.
Aqui ninguém consegue nadaVocê não dá conta.
Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz:
'- Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.'
Esse 'aqui' é outra delícia que só tem aqui.
É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase.
É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer 'olá, me escutem, por favor'
É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.
Mineiras não dizem 'apaixonado por'.
Dizem, sabe-se lá por que, 'apaixonado com'. 
Soa engraçado aos ouvidos forasteiros.
Ouve-se a toda hora: 'sou doida com ele' (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro). 
Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, A MINEIRA.
Nada pessoal .Aqui certas regras não entramSão barradas pelas montanhas.
Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer:
- 'Eu preciso de ir..' 
Onde os mineiros arrumaram um tal 'de', aí no meio, tipo :
- Eu preciso de ir alí. Mas ó não me perguntem por que!
Mas que ele existe, existe.
Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório. No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra um ''tanto'' de coisa... 
O supermercado não estará lotado, ele terá um ''tanto'' de gente. 
Se a fila do caixa não anda, é porque está ''agarrado'' lá na frente. 

Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará:
 '- Ai, gente, que dó...' 
É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras...
Devo dizer também, que mineiro não arruma briga, mineiro 'caça confusão'. 
- Não vem caçar confusão pro meu lado''!  
Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele ' vive caçando confusão'. 
Ah, e tem o 'Capaz...' 
Se você propõe algo a uma mineira, ela diz: 'capaz' !!! 
Vocês já ouviram esse 'capaz'? 
É lindo. Quer dizer o quê?
 
Sei lá, quer dizer 'ce acha que eu faço isso'!? - com algumas toneladas de ironia...
Se você dizer que é apaixonado pela Camila Pitanga, ela dirá:
- 'ô tenho dó dôcê'
Entendeu? Não? Deixa para lá.
 
É parecido com o 'nem...' . Já ouviu o 'nem...'? 
Completo ele fica: '- Ah, nem...'   
O que significa?
Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum.
Mas de jeito nenhum mesmo. 
Você diz:
- 'Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?'. 
Resposta: 'nem...' 
Ainda não entendeu? Uai, nem é nem
. 
Leitor, preciso confessar algo: minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras. Aliás, deslizes nada.
Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão. 
Se você, em conversa, falar:
-'Ah, fui lá comprar umas coisas...'.. 
- Que's coisa? - ela retrucará. 
O plural dá um pulo.
Sai das coisas e vai para o 'que'! 
Ouvi de uma menina culta um 'pelas metade', no lugar de 'pela metade'.
E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará: 
- Ele pôs a culpa 'ni mim'.
 
A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas...
Ontem, uma senhora docemente me consolou:
-'preocupa não, bobo!'. 
E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras nem se espantam. 
Talvez se espantassem se ouvissem um: -'não se preocupe', ou algo assim. 
Fórmula mineira é sintética e diz tudo

E para terminar , até o tchau, em Minas, é personalizado.
Ninguém diz tchau, pura e simplesmente. 
Aqui se diz:
-'tchau pro cê', 'tchau pro cês'. 
É útil deixar claro o destinatário do tchau...
Porque, Deus, esse sotaque!
Mineiras deviam nascer com tarja preta avisando:
'ouvi-las faz mal à saúde'...
De tão gostoso que é .

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